sábado, 26 de julho de 2014

Caçada

Não conheço seu nome ou paradeiro, adivinho seu rastro e cheiro. Vou armado de dentes e coragem, vou morder sua carne selvagem. Varo a noite sem cochilar, aflito. Amanheço imitando o seu grito, me aproximo rondando a sua toca, e ao me ver, você me provoca. Você canta a sua agonia louca, água me borbulha na boca, minha presa rugindo sua raça, pernas se debatendo e o seu fervor. Hoje é o dia da graça, hoje é o dia da caça e do caçador. Eu me espicho no espaço feito um gato, nossos corpos rolando no mato, nossos corpos a se embolar no mangue, minhas garras abrindo seu sangue. Eu gemendo enquanto você me abraça, nossos corpos grudados de suor. De tocaia fico a espreitar a fera, logo dou-lhe o bote certeiro, já conheço seu dorso de gazela, cavalo brabo montado em pelo. Dominante, não se desembaraça, ofegante, é dona do seu senhor. Hoje é o dia da graça, hoje é o dia da caça e do caçador."

Chico Buarque