sábado, 26 de julho de 2014

Caçada

Não conheço seu nome ou paradeiro, adivinho seu rastro e cheiro. Vou armado de dentes e coragem, vou morder sua carne selvagem. Varo a noite sem cochilar, aflito. Amanheço imitando o seu grito, me aproximo rondando a sua toca, e ao me ver, você me provoca. Você canta a sua agonia louca, água me borbulha na boca, minha presa rugindo sua raça, pernas se debatendo e o seu fervor. Hoje é o dia da graça, hoje é o dia da caça e do caçador. Eu me espicho no espaço feito um gato, nossos corpos rolando no mato, nossos corpos a se embolar no mangue, minhas garras abrindo seu sangue. Eu gemendo enquanto você me abraça, nossos corpos grudados de suor. De tocaia fico a espreitar a fera, logo dou-lhe o bote certeiro, já conheço seu dorso de gazela, cavalo brabo montado em pelo. Dominante, não se desembaraça, ofegante, é dona do seu senhor. Hoje é o dia da graça, hoje é o dia da caça e do caçador."

Chico Buarque

sábado, 31 de maio de 2014

"Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que eu me encontrar"

segunda-feira, 14 de abril de 2014

"Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher
Sou minha mãe e minha filha, 
Minha irmã, minha menina
Mas sou minha, só minha e não de quem quiser
Sou Deus, tua deusa, meu amor"

segunda-feira, 10 de março de 2014



Segunda-feira, mal começou a semana e Maria já quer sambar. A moça de tão teimosa, conseguiu encontrar um boteco onde seis camaradas fazem a melhor roda de samba que ela já viu. É um negócio de tremer o chão em plena segundona. Maria tem uma vida comum, trabalha firme todos os dias, pega condução lotada e têm todos os perrengues pra enfrentar, mas mesmo assim com ela não tem tempo ruim, o samba da segunda não pode faltar. Diz pra todo mundo que se ficar sem não tem energia pro resto da semana. Maria corre pra não se atrasar, pega ônibus, metrô, atravessa a cidade. Já em casa se apressa no banho, coloca a roupa escolhida desde logo cedo, maquiada e de batom vermelho ela passa seu melhor perfume, arma o cabelo e sai.Sai feito furacão, sai pra ficar solta pelo mundo. Maria é livre e pra trás só deixa o rastro do seu cheiro. Maria nunca reclama que hoje ainda é segunda-feira. Maria vai sambar até amanhã de manhã.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014



Hoje o meu dia termina por aqui, assistindo um programa barato na TV, bebendo uma maldita cerveja quente e ao mesmo tempo pensando na segunda feira doente que está por vir, na rotina angustiante que sou obrigada a seguir, no metrô lotado, no trabalho que eu tenho e não gosto, na constante falta de dinheiro, nessa vida que eu fingi escolher ter, nas decisões que eu tenho que tomar e nas escolhas que eu não tenho.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Você deixou aqui seu cheiro, o seu perfume ficou na minha cama, nos meus lençóis, você deixou mais que saudades porque decidiu partir sem dar o último beijo, sem fazer o último amor. A casa agora ficou vazia, sem graça, toda preta e branca. Ainda escuto suas risadas, cantorias e tenho a sensação de que a qualquer momento você vai me agarrar quando eu estiver distraída e fazer cócegas com sua barba, me botando maluca. Sinto falta do seu mau humor matutino, do seu jeito bravo que logo se desfazia depois de um beijo, beijos que eram só nossos, beijo leve, mordido, de invadir a alma que eram só nossos. Tenho falta de ficar ao seu lado sem dizer nenhuma palavra, do seu amor, de como você me amava, de quando estava impossível, insaciável e também das nossas brigas que terminavam na cama. Agora estou aqui, no nosso tapete preferido olhando nossas fotos, lembrando dos nossos planos e promessas e vendo o quanto eu fui feliz, o quanto foi bom estar ao seu lado e aproveitar a sua companhia, mesmo quando tudo não termina bem, quando o amor do outro acaba assim sem a gente saber, sem a gente esperar, quando o seu amor já não é mais aceito.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Uma vida não foi o suficiente, ela precisava de algumas a mais. Vivia sem regras, talvez o céu fosse o seu limite, assumia os riscos de suas loucuras, sabia que a morte era sua sombra. Tinha consciência que seu fim poderia estar numa esquina, num banheiro ou quarto qualquer. Trocava o dia pela noite e não tinha endereço, cada dia uma casa diferente, acordando com uma boca diferente. Batom vermelho, a mesma jaqueta de sempre – no bolso esquerdo o pó, no direito o cigarro -, algumas doses de cachaça porque acreditava que a queimação em sua garganta eram seus demônios sendo levados embora e estava pronta pra descer a Augusta.